Professora da UFRJ examina o Programa de Proteção ao Emprego - MP 680 /2015

Daniele Gabrich Gueiros
Professora Faculdade Nacional de Direito (UFRJ)
Mestre em Direito (PUC/Rio)

Em julho deste ano de 2015 foi publicada Medida Provisória que institui o Programa de Proteção ao Emprego (PPE, MP 680/06/072015) e o Decreto que o regulamenta (Dec.8479/06/07/2015). O pressuposto expresso na normativa publicada é a existência de crise econômica, e o objetivo principal é o de preservação dos empregos.
Consideramos positiva a instituição de um limite de tempo para a adesão pelas empresas (adesão até 31/12/2015 e por até 6 meses, prorrogável até 12 meses, art. 2º, § 1º e art. 3º, § 3º da MP) e de restrições à participação (estas têm que demonstrar a situação de dificuldade econômico-financeira, com possibilidade de interrupção e suspensão e permanência da adesão pelo Poder Público, art. 6º da MP).
A garantia do emprego durante o período de adesão ao Programa também é importante, mas a limitação de 1/3 do período de adesão após o término foi tímida se comparada aos parâmetros já existentes na legislação para inibir a conduta discriminatória do empregador em relação ao empregado sujeito a alguma condição especial ou atue na representação de trabalhadores (no caso, como veremos adiante, a MP autoriza que a medida de redução jornada/salário se aplique a um setor, sendo os trabalhadores identificados, qualificados e sendo deste o direito de voto na assembleia de deliberação sobre o acordo necessário para a adesão ao Programa, art. 5º MP e art. 8º, IV e § 1º  Decreto 8479/2015). Isso porque a MP pretende preservar empregados, mas também “favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas” com a restrição de direitos aos empregados.
Concretamente, em nossa experiência cotidiana em assessoria jurídica-sindical no Rio de Janeiro (a qual, evidentemente, não pode ser generalizada) a recentíssima Medida Provisória já impactou as negociações coletivas. Isso porque a Constituição de 1988 assegurou a irredutibilidade dos salários e a limitação da jornada de trabalho, mas ressalvou a possibilidade da negociação coletiva.  A instituição de banco de horas por meio de negociação, inclusive por meio de Convenção Coletiva de Trabalho, que tem abrangência mais ampla que os Acordos Coletivos, já se fazia presente nas negociações como medida flexibilizadora dos contratos de trabalho, mas a redução de salários ainda não.
Em nossa experiência temos verificado que os parâmetros instituídos pela Medida provisória vem sendo considerados piso pelos trabalhadores e suas representações e teto para os empregadores e suas organizações (redução temporária de até 30% da jornada com redução proporcional dos salários). Tais parâmetros de redução de jornada e salários, vale destacar, vem sendo considerados mesmos nos casos de empresas não enquadradas nos critérios de participação no Programa.
Quanto à restrição da negociação às entidades sindicais de categoria preponderante, diante da previsão de abrangência desta medida (redução temporária de jornada e salários) a todos os empregados ou, no mínimo, empregados de um setor específico (art. 3º, § 2º da MP), se de uma lado o Programa estabelece a negociação por “acordo específico”, inibindo sua autorização pelo instrumento amplo da Convenção Coletiva de Trabalho, de outra perspectiva fica o problema da representatividade da entidade sindical preponderante em relação ao setor específico – e se neste (setor específico) os trabalhadores pertencerem à categoria diferenciada ou de profissionais liberais? Estariam representados pelo sindicato da categoria preponderante? Não fazemos o questionamento apenas por razões formais/formalistas/cartoriais, mas entendemos que uma medida tão grave quanto à redução de salários deve ser negociada com a entidade sindical que efetivamente represente e defenda dos direitos e interesses dos empregados do setor atingido pela medida, a fim de que a Constituição seja observada (art. 8º, III).
Para minimizar o impacto direto para o trabalhador da redução proporcional de jornada e salários (o que para muitos poderia significar receber salário menor que piso salarial da respectiva categoria, ou menor que o salário mínimo nacional fixado para o trabalho por 8 horas diárias e 44 semanais, art. 4º, § 2º MP), foi prevista compensação pecuniária “equivalente a cinquenta por cento do valor da redução salarial e limitada a 65% (sessenta e cinco por cento) do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho” custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT(art. 4º, §1º MP), valor que também integra o salário de contribuição do trabalhador (este tem os valores de eventuais benefícios previdenciários também preservados, art. 28, d, Lei 8.212/91) e compõe a base de cálculo dos depósitos do FGTS (art. 15 da lei 8.036/90).
Diferentemente de experiência anteriores, sobretudo propostas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, que defendia a prevalência do “negociado sobre o legislado” (Projeto de Lei 5.483/01) foram previstas contrapartidas, critério para a participação do Programa e utilização de recursos do FAT.
 
Diante de notícias de empresas que dispensam todos os empregados sem nada pagar (nem salários dos dias trabalhados nem verbas resilitórias como em tristes exemplos recentes: PERSONAL, EVOLUTTI, ALUMINI, WJ) o Programa pode parecer um alento.
No entanto, a proporcionalidade da atribuição de responsabilidades/sacrifícios para a superação da crise por meio do Programa não foi nem mesmo isonômica entre trabalhadores, Poder Público e empresariado.
Os recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), provenientes principalmente do PIS (Programa de Integração Social) serão utilizados. Estes também são utilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS) programas de desenvolvimento econômico (art. 239 da CRFB). O paragrafo 4º do art. 239 da CRFB que responsabiliza a empresa com alta rotatividade da força de trabalho não foi ainda regulamentado e, se considerarmos que algumas já recebem recursos do BNDES, fica evidenciado um desequilíbrio no que é investido pelo trabalhador, por empresas e Poder Público para gestão da crise, porquanto, neste caso, o empresário pode contar com os recursos do FAT por meio de financiamento do BNDES e depois por meio de redução de salários.